Quando eu era jovem, adorava ir à praia com as minhas irmãs e sobrinhos a que por vezes, também se juntavam algumas amigas escolhidas a dedo pelo crivo rigoroso dos nossos exigentes pais e irmãos mais velhos. Nas manhãs de domingo, aí pelas 8 horas, lá íamos nós, radiantes, gozar as delícias do mar azul, de águas quentes da praia de Lecidere.
Era só atravessar uma rua, mas a verdade é que não era muito do agrado do nosso pai a nossa ida à praia, pelo que nos habituámos a ser sempre acompanhadas por familiares ou amigas bem mais velhas.
Às vezes, como é natural em todos os jovens, a distracção tomava conta de nós, especialmente quando a conversa estava mais interessante. Bem, nós não usávamos relógio… O sol fazia as vezes desse incómodo objecto utilitário… Outras tantas vezes embora soubéssemos bem que eram horas de voltar, esticávamos o mais possível a permanência naquela praia e fazíamos ouvidos de mercador aos avisos dos mais velhos. Também não ignorávamos que havia castigo sempre que prevaricávamos…
Se havia coisa que os meus pais não perdoavam, era não estarmos todos sentados à mesa à hora da refeição.
Eu explico melhor. Penso que a nossa mãe é que não gostava nada das nossas ausências mas, porque era muito nervosa e viveu sempre cheia de mimo dado pelo nosso pai, entregava-lhe a dura tarefa de nos meter na ordem. E ele, que não permitia nenhuma falta de respeito à mamã, era sempre muito severo com as nossas alegadas faltas de educação à sua adoradíssima mulher e nossa santa mãe. Também acho que ele se fazia mais surdo para não ouvir as nossas asneiras e mais distraído para fingir não ver as nossas falhas… afinal, havia sempre alguém atento…
Bem, havia que preservar o espírito da coisa. A refeição era tempo de conversa, de alegria, de troca de impressões, de histórias, e eles não gostavam nada que uma qualquer alteração viesse pôr em causa a ordem determinada, com imposição de silêncio e de uma sensação de mal estar que durava , convém dizê-lo – uma horita ou duas, findo o que tudo voltava ao normal. Castigo, em primeiro lugar, gelado horas mais tarde para retornar à tranquilidade.
O almoço reunia a família toda em duas grandes mesas. Éramos muitos e por isso havia uma para os adultos, outra para as crianças. Feijoada era o prato de domingo. Muito arroz branco, muito modo fila. E muita algazarra como ruído de fundo. E, depois, de acordo com a época do ano, ananás, mangas, tomates arbóreos. E sempre, bananas e papaias. De seguida, uma chávena de café fechava com chave de ouro os almoços e os jantares na nossa casa.
Éramos uma família feliz. Apreciávamos a vida em comunidade. Adorávamos conversar, conviver.
Hoje, estamos espalhados pelos quatro quantos do Mundo. Cada um constituiu a sua família.
Aqui em Timor, em tempo de paz, ainda nos juntamos todos. E como continuamos a ser muitos, qualquer reunião familiar até tem o ar de festa.
Agora, com a crise, não há ambiente para grandes ajuntamentos. Mas mantemos o contacto através do telefone. Com os familiares que estão longe, em Portugal, Austrália, Estados Unidos da América ou Cabo Verde, usamos a Internet. Criámos uma linha especial para asseguramos o contacto essencial para não deixarmos esmorecer os nossos laços afectivos.
Tenho a certeza de que a seguinte expressão é comum a todos nós, irmãos e sobrinhos: Ai que saudades tenho da minha meninice e adolescência…
2 comentários:
Ivonita,
Que pena seres tão arredia! Tenho saudades dos amigos!
São bonitas as tuas memórias e ainda bem que as tens, pois há muito boa gente que não as tem. Força Nina.
Jokinhas
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