quinta-feira, dezembro 21, 2006

Idade real


Sem complexos de idade, gosto de dizer que tenho o espírito jovem... mas esse só eu o sinto... Já não aguento estar muito sentada como a jovem da fotografia e isso é sintomático de que já não sou nenhuma jovem. A idade não perdoa, não é, Anabela?
Aprendi com os meus irmãos mais velhos a envelhecer naturalmente. Eles continuam bem dispostos, apesar das mazelas normais da idade.
Quando se tem vinte anos, perde-se a noite e continua-se fresca como uma alface - apetece-me perguntar à Leonor e à Ana Cardoso Pires se ainda dançam pela noite fora sempre mantendo a mesma frescura -, dorme-se o dia todo e o corpo não se ressente, come-se uma feijoada ao jantar sem pensar na digestão difícil, anda-se de salto alto de dez centrímetros e a coluna mantém-se direita, bebem-se dez ou mais cafés por dia sem pensar na tensão arterial, a carne de porco entremeada é óptima e não há colesterol a estragar-nos o apetite...
Há três anos quando parti o pé em virtude de o ter colocado mal (quero dizer, não vi o buraco na rua...), percebi que só tinha mesmo o espírito jovem.
O segurança levantou-me do chão onde me estatelara ao comprido e, em resposta a alguém que lhe perguntou o que tinha acontecido disse "ferik monu", ou seja, a velha caiu...A velha era eu!!!
Ontem, cumprimentei alguém na rua e eis que veio rápido o cumprimento " Boa tarde, mãe!" isto, já para não falar de como sou avó de gente cinco a dez anos mais nova que eu. Já vou com sorte quando se ficam pelo respeitoso tia ou mana... Então sinto-me quase uma rapariga!
Há dias o Carlos Pessoa enviou-me as boas festas chamando-me rapariga! Como me senti leve... de espírito, porque o físico continua pesado a acompanhar a idade real...
Um dia, dizia uma senhora com 90 anos: ainda hoje sinto o pé a puxar-me para a dança. O problema é que o corpo já não aguenta. Mas a cabeça, oh, aí eu ainda danço como quando tinha vinte anos!
Enquanto escrevo, as memórias surgem em catadupa e recordo que, uma vez, em conversa de café com as minhas amigas de Lisboa ,falávamos sobre a terceira idade, o respeito que nos merecem os idosos, os problemas e a falta de atenção de que bastas vezes são alvo.
Uma das coisas que comentei é que sabia que, se continuasse em Lisboa, um dia teria de ir para um lar da terceira idade; aceitava a ideia com naturalidade. Só me fazia alguma confusão o cheiro a urina que paira no ar em muitos lares de terceira idade, de acordo com o que se lia e se via nos noticiários. A Ivone deu uma gargalhada e atirou-me de chofre "Oh, nessa altura nem vais dar pelo cheiro!"
Ri-me, retorci-me na cadeira de nervoso, pois claro!, e ainda hoje me questiono se irá ser mesmo assim? E como a ideia ainda me incomoda, registo, com agrado, que ainda vem longe a decrepitude!
Por outro lado, agora que vivo em Timor, apraz-me registar o cuidado e o respeito com que se tratam os idosos da família. Aqui não há lares de teceira idade e os mais novos cuidam naturalmente dos mais velhos.

1 comentário:

AnadoCastelo disse...

Só podia seres tu a contares estas memórias. E que bem que sabe. Minha querida, velhos são os trapos. Continua lá com o espírito jovem que só te faz bem. Além disso e apesar de tudo, tens mais sorte, porque não vais parar a um lar com certeza. Deixa-te disso. A família é grande e terás sempre alguém a cuidar de ti.
Beijinhos grandes