sexta-feira, junho 30, 2006

Prisão de Aipelo


Ninguém fala da antiga prisão de Aipelo. Mas eu vou fazê-lo hoje.
A caminho de Liquiçá, ainda se vêem as ruínas da prisão. Situam-se pertinho do mar.
Para ali foram atirados os deportados políticos de quem Salazar queria livrar-se a todo o custo. Timor era então o pior destino, o mais longínquo, o sítio que, de tão longe, servia às mil maravilhas para manter bem distante da vista e da política do Estado Novo os perigosos anarco-sindicalistas e comunistas que fizeram frente ao velho ditador.
Ali esteve preso durante vários meses, no subterrâneo quente e húmido, com água até aos joelhos, o meu pai, tipógrafo, secretário-geral das juventudes sindicalistas, anarco-sindicalista. E com ele, entre muitos outros,
o senhor Abreu, um dos mais antigos militantes do Partido Comunista Português, o senhor Serafim Martins, pai do Eng.º Rogério Martins, o Senhor Fernando Martins, o senhor Pereirita, padeiro de renome e militante comunista, o senhor José Filipe e o seu irmão, avô de Ramos Horta.
Excepto Fernando Martins – pai da minha irmã de criação, Aurete, que teve uma morte violenta às mãos dos japoneses no último dia da Segunda Grande Guerra -, todos esses deportados fizeram parte da minha meninice. Simpáticos, bem dispostos, cultos e bem informados, estes homens impressionavam pela lucidez das suas ideias políticas, pela coerência do seu discurso.
Recordo bem que, apesar de Timor ser tão pequenino e bem controlado, os deportados nunca se vergaram nem nunca se silenciaram.
O meu pai falava alto, olhava a direito, enfrentava o perigo e conseguiu incutir-nos isso. Para além de que nos educou a defendermos com convicção e sem medos as nossas opiniões.
Quando era garota não conseguia perceber por que motivo Salazar os achava perigosos. E, na minha ingenuidade infantil, nem percebia porque
se achavam portugueses preteridos, eles os deportados, que eu – santa ignorância! – confundia com deputados! E estes, eu sabia que eram pessoas importantes do regime!
Como nos faz
falta, à minha família, a opinião lúcida do meu velho e sábio pai!
Hoje, recordo-os com saudade.
Está ainda por fazer a devida homenagem aos deportados políticos que Salazar desterrrou para Timor. Merecem-no e é nossa obrigação, familiares directos desses homens que moldaram o nosso carácter, fazê-lo. Com alguma urgência. Quando a situação em Timor o permitir.

3 comentários:

AnadoCastelo disse...

Fotografia linda. Situação feia.
Tens toda a razão é de homenagear todos aqueles que lutaram pelo seu país, fora ou dentro de Portugal. Neste caso, o teu pai e todos aqueles que foram seus companheiros de luta. Merecem.
Bejos

Editores disse...

E o Ramos Horta queria ser Secretário-Geral da ONU... Se nem na sua terra consegue resolver os problemas...

João Paulo Esperança disse...

Em tempos andei durante algum tempo a considerar a ideia de tentar escrever uma biografia do seu pai (foi assim que encontrei as referências sobre ele no livro de memórias do Emídio Santana). Acabei por deixar de lado a ideia, a verdade é que a Nuta seria a pessoa ideal para escrever essa biografia. E haveria muito a aprender sobre as experiências de vida de um homem extraordinário e sobre o tempo em que ele viveu.